Registro Histórico




RUA GIL DE GÓIS (Rua das Cancelas)

            Gil de Góis era filho de Pero de Góis, companheiro de Martim Afonso, o primeiro a tentar a exploração da planície goitacá. Foi sucessor de seu pai na tentativa de colonizar os chamados “campos das delícias”. Era casado com D. Francisca Del Aguillar Manique, de origem espanhola e residiam na cidade de Madri.
            Consta que a princípio quis prosseguir com a obra de Pero de Góis. Para tanto se associou a João Gomes Leitão e, com grande luta, conseguiu levantar uma nova população na região, então conhecida por Baixo de Pargos, que ficava ao norte do Rio Itapemirim. Não foi, entretanto, feliz nessa empresa, pois teve que, como seu pai, de abandonar tudo em virtude da resistência feroz dos índios. Não tendo como suportar essa temível oposição dos naturais da terra, foi levado a renunciar a Capitania de São Tomé (ou da Paraíba do Sul?) em favor da Coroa Portuguesa, uma vez que o Brasil era àquela época colônia de Portugal.
            Sabe-se que com a sua mulher, D. Francisca, passou procuração ao cidadão Antonio Diniz, residente na cidade de Lisboa, para representa-los na renúncia. A citada procuração data de 9 de outubro de 1618 e a escritura de renúncia de 22 de março de 1619. Como resultado desse ato veio a receber o pagamento à mercê de 200 mil réis de terça – isto é, de pensão – em vida com a faculdade de poder testar por sua morte, 100 mil réis à sua mulher.
            Interrompemos esta biografia para esclarecer um fato. Em 1619, em lugar de São Tomé, a capitania que compreendia 30 léguas de costa, chamava-se Paraíba do Sul e, jamais esta ou aquela foi transformada em vila de São Salvador, uma vez que a vila media, apenas, meia légua quadrada de terras. Para confirmar aquele título, consta da obra de Alberto Lamego o seguinte: “Já então, em linguagem de negros, como reza a mesma escritura, era a capitania denominada de Paraiba do Sul”.
            Continuando o perfil do segundo donatário das terras da planície, temos a informar que tanto a Procuração como a Escritura de Renúncia se acham impressas na Revista do Instituto Histórico Nacional. Quanto à presença de Gil de Góis nas terras deixadas por seu pai, tem suscitado dúvidas. Entretanto, vários cronistas afirmam que o próprio Gil estava em sua donatária – em pessoa – e que fora obrigado a retirar-se por causa do levante dos aborígenes. Há quem afirme, inclusive, que esse levante foi devido ao mau procedimento que ele tivera com certa índia. Pelo menos pelo que narra J. J. Martins, em sua “História do Descobrimento e Povoação ds Cidades de São João da Barra e Campos dos Goytacazes”
            Documentos antigos, por outro lado, referem-se, igualmente, à estada de Gil de Góis na Capitania. Um desses documentos é o requerimento feito por Martim Correia Vasqueanes, Governador da Capitania, em 1679, sobre o arrancamento de um marco por parte de Francisco Gil de Araújo que, entre outras coisas, diz: “(...) No baixo de Pargos onde Gil de Góis tomou posse e fundou uma vila que o gentio bárbaro destruiu e onde estavam vestígios de casas e igreja que ali houve”.
            Da mesma forma o próprio Gil de Góis, que foi o sucessor de seu pai Pero de Góis da Silveira, tentou, também, cultivar as terras da Capitania, sendo impedido pelos índios Goitacazes. Sua presença na planície deve ser verdadeira razão porque hoje seu nome figura numa das ruas de Campos, a qual, em outras épocas foi chamada de Estradinha do Outeiro ou Rua das Cancelas. (Texto copiado ipsis litteris do livro”Gente Que é Nome de Rua”, de Waldir Pinto de Carvalho (p. 11 e 12).
            A história do “mau procedimento com uma índia”, de que nos informa Waldir Pinto de Carvalho, todavia, tem uma narrativa diferente feita pelo escritor e jornalista Hervê Salgado Rodrigues, no seu livro “Campos – Na Taba dos Goytacazes” (1988, p. 22 e 24). Salienta que o empreendimento de Gil de Góis foi o de Santa Catarina das Mós. E sobre sua personalidade, nos atualiza:

“Gil de Góis tentou viver bem com os índios e prosseguir a obra do pai. Mas já era um tanto velho e sem a energia do grande chefe militar. Além disso, para agradar mais os índios, adotou uma menina que batizou e a quem deu o nome de Catarina. Quando atingiu a idade de 13 anos, a índia já exibia formosura de mulher feita, no clima tropical a adolescente com saúde se torna mulher cedo. Catarina não estava muito acostumada a roupas e sempre uma nesga de seu corpo moreno e sensual aparecia despertando desejo nos homens que acompnhavam Gil de Góis. Ele próprio começou a sentir-se tentado pelos dotes plásticos da índia. Deu-se então o inevitável”.

            E narra, teatralmente, o que aconteceu depois que manteve um caso amoroso com a índia Catarina, filha de um dos caciques da tribo Goytacaz:

         E o velho cedeu aos encantos da morena tornando-a sua amante. Não conseguiu, entretanto, esconder a ligação dos olhos ciumentos da espanhola, D. Francisca, sua esposa. E esta, aproveitando uma viagem do marido, amarra a morena num tronco e a chicoteia. Abandonada desfalecida, a índia consegue fugir e chega junto aos seus, toda ensanguentada. Os índios se levantam em fúria. “E arrasam novamente o núcleo implantado, seus canaviais e engenhos”.

            Pelo que se percebe, a segunda tentativa de manter um projeto de produção, na aldeia de “Santa Catarina das Mós”, localizada à época à margem do Rio Managé (Hoje Rio Itabapoana), na altura da foz denominada de Barra do Itabapoana, extinguiu-se por causa de uma paixão, talvez a primeira nas relações entre um colonizador português com uma nativa. Mas esta paixão foi fatal para Gil de Góis e de sua esposa D. Francisca, dos quais nunca mais ninguém teve notícia.
            Valeria, todavia, uma pesquisa aprofundada no além-mar sobre a existência dos descendentes de Pero e Gil de Góis da Silveira, primeiros donatários da Capitania, ou, quem sabe, suas marcas ficaram tão somente nas terras goytacazes.


Centro Histórico:

            O centro histórico da cidade de Campos dos Goytacazes foi praticamente consolidado, a partir do Plano Urbanístico do sanitarista Francisco Rodrigues Saturnino de Brito, planejado em 1902, muito embora as obras de organização urbana somente tenham sido iniciadas após 1906, como registra a pesquisa da Dra. Teresa de Jesus Peixoto Faria, no texto “As reformas urbanas de Campos e suas contradições”.
            Ela cita, em sua pesquisa, que havia, além da reformulação urbanística, a necessidade de resolver questões d falta de saneamento, responsável pelas epidemias, como a peste bubônica, que assolou o município, situação agravada pela grande enchente verificada naquele ano, resultando em inundações, o que levou o médico Dr. Benedito Pereira Nunes, idealizador da “cidade saneada”, a observar que, em 1906, nada tinha sido feito com relação ao projeto de Saturnino de Brito. E fez o seguinte discurso, publicado na Gazeta do Povo, solicitando a intervenção do Governo Federal:

Em 1901, quando presidia a Câmara Municipal de Campos, eu disse que, realmente, Campos, doada de uma natureza e de situação topográficas excepcionais e que poderia ser chamada a Sultana da Paraíba se transformou, por negligências da engenharia indígena e da edificação colonial numa cidade de ruas tortuosas, de becos e de ruelas escuras, cheia de casebres obscuros e insalubres, criando, assim, um ambiente de condições idênticas às das cidades asiáticas, onde a peste é endêmica. Os velhos casebres que existem ainda hoje e onde vive a classe operária pagando baixos alugueis, confirmam este estado de coisas. Atentados flagrantes às regras de higiene, legitimando de maneira criminosa o direito dos proprietários pouco escrupulosos, exploradores conscientes dos pobres moradores de casebres úmidos, verdadeiros pardieiros pagos com o suor das vítimas.


            Tetê Peixoto assinala: E é o próprio prefeito Ferreira Landim que, em novembro de 1906, anuncia, em discurso também publicado no mesmo jornal, no qual fala nas dificuldades para colocar a arquitetura de suas habitações de conformidade com os novos modelos em difusão: “O problema de salubridade das habitações exige, mais do que nunca, a atenção do poder municipal. É necessário melhorar as condições de higiene das casas, transformar o sistema de edificações, expurgar a cidade dos velhos casebres, focos de infecções de toda a espécie – da tuberculose e da peste, principalmente. No ano passado, fiz demolir nos termos da lei, 45 desses velhos pardieiros e as enchentes completaram, em parte, esta obra de saneamento (...)”. A reforma urbana na cidade de Campos dos Goytacazes obedecia, em tese, ao que era feito no Rio de Janeiro, nos tempos de Pereira Passos, por volta de 1904.
            Da lista de demolições de velhos edifícios, publicados em seu trabalho, que parecem prejudicar a imagem da cidade constam 32 demolições e foram condenados 16; construíram-se nove casas novas; 18 foram totalmente reconstruídas, e 16 parcialmente; foram feitos 48 grandes reparos e 217 pequenos reparos. E o Dr. Pereira Nunes, condenou a cidade “velha”, segundo ele, invadida por ratos. E reafirma que “Campos reclama de medidas como impermeabilização do solo e a abertura de áreas de circulação”,
            No documento, a pesquisadora salienta (...) O velho tecido urbano é transformado, progressivamente, graças às reformas que visam, além do embelezamento da cidade, dar-lhe uma melhor funcionalidade, adaptando-a aos interesses da economia capitalista e da burguesia em plena ascensão. Finalmente, neste começo do século XX, é necessário dotar a cidade dos símbolos do progresso e de uma imagem de modernidade.
            E ele descreve algumas mudanças operacionalizadas com as reformas do Plano Saturnino de Brito: “As Ruas: 21 de Abril, Sete de Setembro, Constituição (Rua Alberto Torres) e Formosa (Tenente Coronel Cardoso) foram alargadas; a antiga Praça das Verduras (Praça do Chá-Chá-Chá) foi urbanizada e transformada em praça de lazer; a Praça São Salvador, já com belo jardim, é ornamentada com uma fonte, os edifícios se renovam como o Renne, o Café High-Life,m Bom Marché e novos edifícios surgiram, como o do Banco do Brasil (1910), Associação Comercial de Campos (1913), Correios e Telégrafos e sede da Lira de Apolo (1917) e o antigo Teatro Trianon (1921). Desses citados, somente sobreviveram o Renne (com mudanças nos anos 50) e a Lira de Apolo (ora em restauração).
            Hoje, o conjunto de obras ecléticas, o maior do interior do Estado, praticamente está restrito às Ruas: 21 de Abril, Santos Dumont, Teotônio Ferreira de Araújo (antiga Barão de Cotegipe), Praça do Santíssimo, Sete de Setembro, 21 de Abril, Avenida Rui Barbosa, Rua 13 de Maio (antiga Rua Direita) e Rua Formosa (Tenente Coronel Cardoso), embora existam outros espécimes da época espalhados por outras artérias da cidade, atingindo até bairros mais distantes e em alguns distritos, como Goytacazes, Dores de Macabu, Murundu, Santa Bárbara, Vila Nova, Morro do Coco, Santa Maria e Santo Eduardo. Só para citar alguns...
            O centro histórico de Campos é, com outros avanços ocorridos nos anos 40, por intervenção da empresa Coimbra Bueno, nos tempos áureos do Prefeito Salo Brand, que era engenheiro, o que estabelece a Lei (Plano Diretor) 7.972, de 30/03/2008, quando se inicia, embora tardiamente, a se adotar uma política de preservação do patrimônio Histórico e Cultural do Município, cuidando de suas instâncias materiais e imateriais.


Inventário em: 08/05/2016 – Maria Lúcia Bittencourt da Fonseca e Valdimir da Silva Salino.
Fotografia: Valdimir da Silva Salino
Responsável: Orávio de Campos Soares

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